Há muitos anos atrás,
um famoso artista de Hollywood entregou sua vida ao Senhor. Mas o dinheiro, a
fama e a corrupção começaram a agir em sua vida, e aos poucos ele foi se distanciando
de Deus. Conta-se que sua esposa finalmente o confrontou e disse: “É melhor você
se acertar com Deus porque o seu pecado irá arrastá-lo ao abismo; e quando isso
acontecer, vai levar toda a sua família com você”.
O pecado age dessa
forma. É como um câncer que pode destruir os homens mais poderosos e de mais
elevada posição, os melhores e os mais inteligentes. Mais freqüentemente do que
imaginamos, suas conseqüências afetam famílias inteiras, como uma legítima metástase.
Foi o que aconteceu com Davi e Bate-Seba. Sua história é trágica, mas, apesar
de tudo, tem um final triunfante, por causa de um Deus misericordioso e amoroso
que graciosamente concede a vitória para pecadores que se arrependem sinceramente.
“Decorrido um ano, no tempo em que os reis costumam
sair para a guerra... Davi ficou em Jerusalém” (2 Sm 11.1). Talvez ele não tenha conseguido dormir
naquela noite, porque a Bíblia diz: “...levantou-se
Davi do seu leito e andava passeando no terraço da casa real” (11.2).
De lá, ele viu
uma linda mulher tomando banho: “Então,
enviou Davi mensageiros que a trouxessem... a mulher concebeu e mandou dizer a
Davi: Estou grávida” 11.4-5).
A Bíblia apresenta
Bate-Seba como uma mulher quieta, submissa, cujo nome tem sido associado, ao
longo dos séculos, com os mais terríveis pecados de Davi, com adultério e assassinato
premeditado. O sórdido episódio abriu um triste e trágico capítulo na vida de
um rei que havia sido bondoso, e destruiu a paz da família real.
Alguns comentaristas
pintaram Bate-Seba de maneira pouco lisonjeira em sua moral, culpando-a, na essência,
pela infidelidade de Davi e de seu desejo de buscar um relacionamento sexual
com a mulher de outro homem, contrariando tudo o que ele sabia ser o certo. O
fato é que Bate-Seba estava em sua casa, e não estava fazendo nada de incomum
ou provocativo. De acordo com Charles Ryrie, em seu comentário na Bíblia Anotada: “As casas no Oriente Médio
possuíam um pátio cercado que era considerado parte da casa. Bate-Seba, banhando-se
à luz de lamparina, não foi indecorosa, pois estava em sua casa. O interior do
pátio, todavia, podia ser visto do telhado da casa de Davi, situada em terreno mais
elevado no monte Sião”.[1]
A Bíblia nem mesmo
diz se Bate-Seba sabia porque Davi estava chamando-a naquela noite. No entanto,
como serva leal, ela não tinha alternativa a não ser obedecer. As Escrituras
pintam Bate-Seba como uma mulher quieta e submissa que não possuía a sabedoria
ou a astúcia, nem a ousadia ou a segurança da esposa de Davi, Abigail, que é
chamada de “sensata e formosa” (1 Sm
25.3). Há mais de vinte anos atrás, quando ainda era casada com o egoísta
Nabal, Abigail havia impedido Davi de assassinar toda a sua casa pela raiva que
ele sentia por Nabal (1 Sm 25.23-35).
Se Bate-Seba fosse
como Abigail, poderia ter convencido Davi a não concretizar o desejo que estava
em sua mente. Mas ela não era assim, e fez o que lhe mandaram fazer. Quando, mais
tarde, descobriu que estava grávida de Davi, mandou avisá-lo.
Em uma tentativa
completamente errada de tentar esconder o seu pecado e enganar Urias, o marido
de Bate-Seba, levando-o a acreditar que o bebê era dele, Davi mandou chamá-lo
do campo de batalha esperando que ele fosse para casa ficar com sua esposa. Mas
Urias era um homem íntegro e disse: “A arca,
Israel e Judá ficam em tendas; Joabe, meu senhor, e os servos de meu senhor estão
acampados ao ar livre; e hei de eu entrar na minha casa, para comer e beber e
me deitar com minha mulher? Tão certo como tu vives e como vive a tua alma, não
farei tal coisa” (2 Sm 11.11).
Davi tentou novamente,
embebedando Urias. Mesmo assim, Urias passou a noite no palácio do rei, junto
dos seus servos. Então, em um ato nada característico de sua personalidade, e
com crueldade e sangue-frio, Davi escreveu uma carta a Joabe, comandante de seu
exército, e pediu que Urias a levasse até ele. Nessa carta estava escrito: “Ponde Urias na frente da maior força da peleja;
e deixai-o sozinho, para que seja ferido e morra” (2 Sm 11.15). E Urias foi
morto. Davi casou-se com Bate-Seba, que deu à luz ao seu filho. “Porém isto que Davi fizera foi mau aos olhos
do Senhor” (2 Sm 11.27).
Deus, então, aplicou
a vara da disciplina. Primeiro, a criança morreria; segundo, a espada jamais se
apartaria da casa de Davi (2 Sm 12.10-14). Com o coração e o espírito quebrantados,
Davi se arrependeu profundamente, orou e jejuou por sete dias na esperança de
que Deus poupasse a criança. Mas Ele não a poupou. A criança morreu; a metástase
havia começado a se alastrar.
Dentro de nove meses
Bate-Seba perdeu o marido e um filho. Sua vida mudou para sempre. Pelo que sabemos,
aquela criança era seu primeiro filho. A Bíblia não faz menção de nenhum filho
que ela tenha tido com Urias. As Escrituras também não atribuem a ela nenhum tipo
de culpa. Deus culpou Davi, e foi Davi quem Ele puniu. Mas Bate-Seba, sem dúvida,
sofreu tanto quanto ele.
“Recolheste as minhas lágrimas no teu odre; não estão elas inscritas no
teu livro?” (Sl 56.8).
Antes desses fatos, Davi havia escrito: “Recolheste as minhas lágrimas no teu odre; não estão elas inscritas no
teu livro?” (Sl 56.8). A Escritura não fala de palavra nenhuma que Bate-Seba
tenha dito em relação à tragédia que sofreu, mas, com certeza, suas lágrimas
fluíram livremente para o odre de Deus.
Deus estende Sua
misericórdia a todos aqueles que se arrependem sinceramente. Na Sua insondável
sabedoria, Ele distingue o fraco do forte, o humilde do orgulhoso, e prova os
corações de todos os homens. Em algum lugar ao longo do caminho, o Deus Supremo
provou o coração de Bate-Seba e decidiu abençoá-la. E de fato a abençoou.
Deus tomou para
si o menino que foi concebido por Bate-Seba em adultério. Ainda assim, na Sua
misericórdia que dura para sempre, Ele deu-lhe outro filho. As Escrituras dizem
que “Davi veio a Bate-Seba, consolou-a e
se deitou com ela; teve ela um filho a quem Davi deu o nome de Salomão; e o Senhor
o amou” (2 Sm 12.24).
Aqui, pela primeira
vez, Deus declarou Bate-Seba mulher legítima do rei Davi, santificou seu casamento
e o abençoou. Na Sua infinita misericórdia e amor, o Senhor não somente deu a
Bate-Seba outro filho, Ele deu ao seu filho a supremacia sobre os irmãos mais
velhos, declarando Salomão como herdeiro do trono de seu pai. Mais tarde, Davi iria
dizer: “E de todos os meus filhos, porque
muitos filhos me deu o Senhor, escolheu ele a Salomão para se assentar no trono
do reino do Senhor, sobre Israel” (1 Cr 28.5).
Bate-Seba não somente
tornou-se a rainha-mãe, ela tornou-se ancestral direta de Jesus, o Messias,
através de Salomão, e também através de seu filho Natã (1 Cr 3.5; Lc 3.31). Ela
é uma das únicas quatro mulheres listadas na genealogia de Cristo (Mt 1.6).
Bate-Seba permaneceu
junto a Davi pelo resto de sua vida (mais uns vinte anos) e deu a ele quatro filhos
(1 Cr 3.5). Era uma esposa dentre muitas e testemunhou um tumulto familiar que
hoje seria considerado uma das piores formas de disfunção nas relações domésticas.
Embora Deus amasse a Davi e o tenha perdoado e abençoado, manteve a promessa dEle
de que a espada nunca deixaria sua casa porque ele tinha assassinado Urias, marido
de Bate-Seba, e tomado sua esposa.
Curiosamente, não
existe condenação para Bate-Seba em qualquer parte da Escritura. O pecado é sempre
descrito como sendo de Davi somente, principalmente porque Bate-Seba, uma mulher
relativamente indefesa na época do Velho Testamento, foi aprisionada na teia de
uma outra pessoa, e submetida a um relacionamento acreditando não ter outra escolha.
Davi, contudo, teceu a teia quebrando deliberada e indiferentemente três dos
Dez Mandamentos: “Não matarás. Não cometerás
adultério... Não cobiçarás a mulher do próximo” (Êx 20.13-14,17).
A Lei Mosaica não
previa nenhum sacrifício para corrigir essa situação. Davi merecia a morte. Mesmo
assim, Deus estendeu Sua misericórdia enquanto providenciava igualmente sua disciplina;
e seus efeitos se espalharam pela família de Davi, incluindo sua esposa.
Primeiro, o filho
mais velho de Davi, Amnon, estuprou sua própria meia-irmã, Tamar. Esta ficou
tão arrasada que passou o resto de sua vida solteira na casa de seu irmão Absalão
(2 Sm 13.20). Davi, contudo, não fez nada para punir Amnon, que merecia ser morto
(Lv 18.9,29). Conseqüentemente Absalão, que amava tanto sua irmã que deu o nome
dela à sua filha em sua homenagem (2 Sm 14.27), fez justiça com suas próprias mãos
(2 Sm 13.29). Então ele fugiu para a casa de Talmai, rei de Gesur, avô dele e
de Tamar (2 Sm 13.37; 1 Cr 3.2).
Absalão voltou para
casa três anos depois. Mas Davi, que não fora rígido o suficiente com Amnon,
foi bastante duro com Absalão e se recusou a restaurar seu relacionamento com
ele. Como conseqüência, Absalão fomentou uma rebelião que obrigou Davi a fugir
para salvar sua vida.
Muito provavelmente
Bate-Seba e seus filhos fugiram com ele, pois a Bíblia diz: “Saiu o rei, e todos os de sua casa o seguiram;
deixou porém o rei dez concubinas, para cuidarem da casa” (2 Sm 15.16).
No final, Absalão
morreu. Davi, atormentado pela dor e possivelmente por seu miserável fracasso
como pai, chorou alto, clamando: “Meu filho
Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Quem dera que eu morrera por ti, Absalão,
meu filho, meu filho!” (2 Sm 18.33). Tudo isso por causa do seu pecado com
Bate-Seba.
Bate-Seba aparece
novamente nas Escrituras logo antes da morte de Davi, quando ele estava com cerca
de 70 anos. Ela continua sendo aquela mulher submissa, que faz o que lhe mandam
fazer; e Davi ainda continua o pai negligente. Adonias, irmão de Absalão e o mais
velho do restante dos filhos de Davi, começou a falar que seria o rei – mesmo
sabendo que o reino iria para Salomão, “porque
do Senhor ele o recebeu” (1 Rs 2.15). Davi não fez nada para impedi-lo. Então
Adonias realizou uma festa, ostensivamente para celebrar sua ascensão ao trono.
Quando o profeta Natã percebeu o que estava acontecendo, instruiu Bate-Seba a
contá-lo a Davi, que agora já encontrava-se velho e doente.
“Não
vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também
ceifará” (Gl 6.7).
Bate-Seba obedeceu.
Naquilo que foi um dos melhores momentos com sua esposa, Davi declarou a Bate-Seba: “Tão certo como vive o Senhor, que remiu
a minha alma de toda a angústia, farei no dia de hoje, como te jurei pelo Senhor,
Deus de Israel, dizendo: Teu filho Salomão reinará depois de mim e se assentará
no meu trono, em meu lugar” (1 Rs 1.29-30).
Enquanto Adonias
estava com seus convidados, Zadoque, o sacerdote, e Natã, o profeta, coroaram
Salomão. Aproximadamente 21 anos depois que Deus tomou o filho de Bate-Seba,
que fora concebido em pecado, Ele coroou seu outro filho como rei de Israel.
Bate-Seba aparece
ainda mais uma vez. Davi havia morrido, e Adonias aparentemente continuava alimentando
esperanças de poder usurpar o trono. Adonias pediu a Bate-Seba que convencesse
seu filho Salomão a lhe dar Abisague, uma bonita jovem que havia servido a Davi.
Bate-Seba era evidentemente ingênua no que diz respeito aos caminhos do mundo e
não entendeu que o pedido de Adonias era uma tentativa de desacreditar seu filho.
Na cultura daquele tempo, Abisague era propriedade do rei. Se ele não a quisesse,
ninguém mais poderia tê-la. Irado, Salomão negou o pedido e solidificou seu reinado
mandando matar Adonias (1 Rs 2.24-25).
Mas a entrada de
Bate-Seba na presença de Salomão revela um belo relance do relacionamento entre
mãe e filho. A Escritura diz: “O rei se
levantou a encontrar-se com ela e se inclinou diante dela; então, se assentou
no seu trono e mandou pôr uma cadeira para sua mãe, e ela se assentou à sua mão
direita” (1 Rs 2.19). Embora Bate-Seba fosse agora apenas uma viúva entre
tantas no palácio, ela era a única viúva que era mãe do rei.
Foi escrito no livro de Gálatas: “Não
vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também
ceifará” (Gl 6.7). Infelizmente, aquele que semeia não é o único que colhe.
No instante em que Davi semeou sementes de pecado, as vidas de Bate-Seba e de seus
filhos foram mudadas para sempre. Deus, mesmo sendo santo, reto e justo, também
é misericordioso. Sua misericórdia dura para sempre e Ele a dispensa graciosamente
para qualquer um que verdadeiramente se arrepende. (Lorna Simcox - Israel My Glory - http://www.chamada.com.br)
Nota:
1. Charles Ryrie, A Bíblia Anotada, p. 418.